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OPINIÃO EDITORIAL

OPINIÃO | Abrigar poderosos, abandonar brasileiros: A fronteira cruel entre a Lei e a indiferença

Em certos momentos, o que se exige não é uma norma, mas uma decisão de consciência.

26/06/2025 06h25
Por: Redação
Foto: reprodução/Gov.BR
Foto: reprodução/Gov.BR

Juliana Marins morreu na Indonésia. Sozinha, longe da família, da pátria e de qualquer estrutura que lhe garantisse consolo ou socorro. A notícia de sua morte comoveu o Brasil — um país que, mesmo à distância, chorou com a família e se indignou com a frieza do Estado diante de um pedido tão simples e humano: trazer Juliana de volta para casa.

O governo brasileiro, por meio do Itamaraty, informou que não tem previsão legal para arcar com os custos de traslado de corpos de cidadãos falecidos no exterior. A informação é técnica, e verdadeira. A burocracia, que se debruça sobre portarias, decretos e normas, tem seus limites — e também seus paradoxos.

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A mesma burocracia que não autoriza o custeio do repatriamento de uma cidadã morta, autorizou, meses antes, que a Força Aérea Brasileira transportasse com pompa a ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, condenada a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro em um caso internacional de corrupção com envolvimento da construtora brasileira Odebrecht. O contraste grita. O Estado, que diz não ter como ajudar uma família a enterrar sua filha, abriu suas asas aéreas para acolher, em missão oficial, uma figura pública condenada. E mais: a FAB impôs sigilo de 5 anos aos detalhes da operação, incluindo os custos do transporte. O que o protocolo não permite aos pobres, parece se flexibilizar aos poderosos.

É neste ponto que a dor da família brasileira se funde a um questionamento ético mais profundo: até onde a legalidade pode se esconder atrás da conveniência política? Onde termina a norma e começa a exceção seletiva?

Mas se a insensibilidade estatal fere, também causa desconforto a forma como setores da oposição instrumentalizaram esse luto para fazer política. O sofrimento real de uma família foi transformado em palanque moral. Há uma fronteira tênue entre a solidariedade e o oportunismo, e muitos a atravessaram sem pudor, usando a tragédia como pretexto para atacar o governo. O tom, nas redes e em alguns discursos, mais parecia torcida do que lamento.

Governar, é verdade, é tomar decisões difíceis. E há de se reconhecer que o Itamaraty agiu dentro da legalidade. Mas há momentos em que a legalidade não basta: é preciso humanidade, sensibilidade, compaixão. Um gesto simples, como organizar ou custear parte do traslado — mesmo por meio de uma articulação com a iniciativa privada, com fundos emergenciais, com diplomacia ativa — poderia ter evitado não só a dor burocrática da família, mas a erosão simbólica da imagem de um país que deveria proteger seus filhos.

A morte de Juliana Marins na Indonésia não deveria ser usada como munição política, mas também não pode ser esquecida como se fosse mero detalhe técnico. Ela expôs a frieza do Estado diante de seus cidadãos mais vulneráveis e a hipocrisia das conveniências de ocasião. Quando uma brasileira morre do outro lado do mundo e ninguém se dispõe a buscá-la, é o Brasil que parece distante de si mesmo.

Que essa ausência sirva, ao menos, para que se repensem as normas e se resgate o princípio mais básico da diplomacia e da República: o cuidado com a dignidade humana.

A morte de Juliana Marins não é apenas uma história triste. É um espelho que revela a indiferença com que o Brasil trata seus filhos mais invisíveis. A dignidade de uma cidadã brasileira deveria bastar para acionar gestos de humanidade — mesmo que a lei não obrigue. Porque, em certos momentos, o que se exige não é uma norma, mas uma decisão de consciência.

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1 comentário
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Apolo Mendes Há 2 semanas Rec-PEExcelente artigo. Parabéns!! Pena que estejamos vivendo em um momento em que as benesses e privilégios são apenas para amigos do rei e sua controversa rainha
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