Em tempos de histeria cronometrada, o Brasil parece existir menos como nação do que como assunto do momento, o tal do trending topic. A cada semana, um novo escândalo, uma nova indignação, um novo flanco para que políticos, influenciadores e aspirantes a analistas tomem o centro do palco com frases de efeito, linchamentos simbólicos e certezas inflamadas. A tragédia não é a sucessão dos fatos em si — cada um deles, muitas vezes, legítimo de atenção —, mas a exploração cínica, meticulosamente calculada, que se faz de cada tema. E o silêncio sepulcral que se segue.
A escala 6x1, por exemplo — que mobilizou multidões de trabalhadores revoltados com jornadas extenuantes disfarçadas de “modernização” — incendiou as redes por alguns dias. Até desaparecer. Como se o cansaço da classe trabalhadora tivesse vencido o algoritmo. E o debate sobre condições dignas de trabalho virou apenas mais um escombro sob o entulho das urgências descartáveis.
Assim foi também com o 8 de janeiro, cuja imagem é de um país fraturado diante de sua própria democracia. Durante semanas, o episódio ocupou o centro das atenções, com manchetes em tempo real, especialistas em loop e culpados desfilando em Brasília. Hoje, fragmentos do evento sobrevivem apenas quando convém — como arma de arremesso retórico ou cortina de fumaça para a impopularidade do dia.
A vacina, que um dia foi símbolo de esperança e racionalidade, virou totem de uma guerra cultural. Havia um momento em que se discutia a cor dos frascos, a nacionalidade do fabricante, e até o sotaque de quem as defendia. Médicos foram exaltados ou demonizados. Influencers viraram epidemiologistas. Depois, o silêncio. Sem jamais haver, de fato, uma política pública de longo prazo consolidada ou uma memória coletiva preservada da tragédia que vivemos.
E o IOF? Ah, sim. Quando o imposto foi manipulado para financiar campanhas, viagens ou projetos suspeitos, houve fúria e indignação. Temporárias, claro. Assim como a “fraude do INSS”, cuja gravidade social é evidente, mas cuja exploração política rapidamente ultrapassou o zelo pela verdade. A história não importa; o que conta é a capacidade do tema de gerar cliques, polarização e distração.
Até a grotesca farsa do “bebê reborn” foi catapultada à categoria de “questão civilizacional”. Como se fosse mais importante saber se uma boneca com crachá de ministério estava em uma audiência do que debater, de fato, os direitos da primeira infância. O mesmo vale para a linguagem neutra: uma pauta complexa reduzida a memes e slogans bélicos, usada apenas para inflamar ânimos e diluir o pensamento crítico em histeria performática.
Essas “urgências” obedecem a uma lógica precisa: primeiro, são infladas por políticos oportunistas e plataformas ávidas por engajamento; depois, são exploradas ao limite, até que uma nova pauta as substitua. É uma técnica antiga, requentada com o sabor tóxico da modernidade: ocupar o povo com o barulho, dividir pela polêmica, distrair pelo escândalo.
Enquanto isso, temas estruturais — reforma tributária real, política ambiental consequente, combate às desigualdades, financiamento da educação, fortalecimento institucional — seguem à margem, sem cliques nem curtidas, sem memes nem escândalos. A democracia vai sendo corroída, não por golpes espetaculares, mas por distrações em série, pelo culto ao imediato, pela superficialidade como método.
Vivemos, assim, em estado de urgência permanente — uma urgência que não transforma, apenas consome. E que, ao fim, nos deixa exaustos, confusos e mais fáceis de manipular.
Essa fábrica de urgências precisa ser desmontada. Não com silêncio ou indiferença, mas com discernimento. É preciso reaprender a diferenciar o que é importante do que é barulhento. Recusar o espetáculo. E exigir que o debate público volte a ser sobre o que realmente importa — mesmo que não renda curtidas.