A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar a relação de influenciadores com plataformas de apostas online virou um espetáculo grotesco — mais próximo de um reality show decadente do que de um instrumento sério de apuração parlamentar.
Na última semana, a chamada “CPI das Bets”, no Senado Federal, ultrapassou todos os limites de seriedade institucional. Uma influenciadora chupou o microfone, em plena sessão. Outro, convocado a depor, chegou a jogar ao vivo durante seu interrogatório — como se estivesse em uma live promocional do “jogo do tigrinho”.
O senador Cleitinho Azevedo protagonizou outro momento absurdo: interrompeu a sessão para pedir uma selfie com a influenciadora Virgínia Fonseca, convocada como testemunha. Antes da foto, elogiou o suplemento pré-treino da influenciadora e ainda mandou um abraço para a esposa e a filha.
A cena viralizou nas redes sociais. E é justamente esse o problema.
A CPI foi criada com o objetivo de investigar os danos sociais causados por casas de apostas, muitas delas operando na ilegalidade ou à margem da regulamentação. Essas plataformas, com campanhas publicitárias agressivas, têm explorado especialmente jovens e pessoas em situação de vulnerabilidade, vendendo promessas de lucro fácil — que, na prática, resultam em endividamento e desesperança.
Mas a CPI rapidamente se desviou de seu propósito. Em vez de priorizar a investigação de crimes financeiros, lavagem de dinheiro, evasão fiscal ou os responsáveis por operar esses esquemas, o foco, pelo que parece, tem sido atrair cliques.
A política virou performance. A investigação, um conteúdo para stories.
É legítimo convocar influenciadores que, eventualmente, tenham promovido jogos ilegais ou feito publicidade enganosa. O que não se pode aceitar é que o Senado Federal, um dos pilares da República, se preste ao papel de produtor de conteúdo viral.
Enquanto isso, pouco se discute sobre quem são os reais operadores por trás dessas plataformas, quais os mecanismos usados para movimentar bilhões fora do alcance do leão da Receita, e como essa indústria atua sobre o psicológico e as finanças da população.
A CPI das Apostas pode — e deve — exercer um papel fundamental no combate a um mercado predatório, que cresce em cima da ilusão e da fragilidade de milhões de brasileiros. Mas, para isso, é preciso escolher entre a busca por justiça ou por curtidas.
Se o Senado realmente quer demonstrar compromisso com o interesse público, é hora de retomar o foco. Caso contrário, a sigla CPI corre o risco de ganhar um novo significado: Conteúdo Para o Instagram.