Há dois anos, o Brasil vivenciou um dos episódios mais graves de sua história recente: no 8 de janeiro de 2023, uma tentativa de golpe de Estado buscou subverter a ordem democrática do país. Em um ataque coordenado contra os Três Poderes – o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) – extremistas procuraram destruir as bases da democracia brasileira, negando a legitimidade do voto popular e buscando instaurar um regime antidemocrático.
Dois anos depois, é necessário fazer uma reflexão profunda sobre o que aconteceu, suas consequências e, principalmente, os caminhos que devemos trilhar para que episódios como esse não se repitam. A democracia brasileira é, sem dúvida, nossa maior conquista, mas para que ela seja sólida e verdadeiramente representativa, é imprescindível que a renovemos e adaptemos às necessidades da sociedade do século XXI.
Os atos de 8 de janeiro devem ser condenados em sua totalidade, sem hesitação. O ataque violento às instituições e à vontade popular, expressa nas urnas, é um atentado à liberdade, à justiça e à paz social. Não há justificativa para o uso de força para subverter um processo eleitoral legítimo e amplamente aceito. A democracia brasileira, como qualquer democracia, deve ser defendida com vigor, e os responsáveis por tais ações devem ser punidos de acordo com a lei.
Contudo, a simples condenação dos atos golpistas não é suficiente. Precisamos compreender as raízes do que levou parte da população a acreditar que destruir as instituições e violar a Constituição era uma ação legítima. O que estamos vendo é um sistema político em que, por mais que tenhamos as formas e os mecanismos da democracia, a confiança nas instituições e no próprio formato de representação foi sendo corroída ao longo do tempo.
Não podemos ignorar que o 8 de janeiro não surgiu do nada. Ele é o reflexo de uma crise mais profunda, que envolve a erosão da confiança nas instituições e nas estruturas de poder. O Brasil vive um período de intensa polarização, onde parte significativa da população não se sente representada, nem em suas demandas políticas, nem em sua visão de mundo.
A política brasileira, em muitos momentos, parece desconectada da realidade da maioria da população. A representação política, em sua forma atual, carece de um vínculo mais forte com os anseios da sociedade, o que gera frustração e o sentimento de impotência. E é esse sentimento de impotência que alimenta o radicalismo, tornando os cidadãos suscetíveis a narrativas distorcidas e ao desespero de soluções autoritárias.
Além disso, a desconfiança nas instituições, em especial no sistema eleitoral e no Judiciário, também é um problema grave. O 8 de janeiro foi impulsionado por uma desconstrução sistemática da confiança nas urnas e nas garantias constitucionais. E essa desconfiança não surgiu da noite para o dia; ela foi alimentada por anos de manipulação, desinformação e um clima de polarização exacerbada.
O país precisa urgentemente reavaliar não só a eficácia das suas instituições, mas também o formato de representação política e a confiança que o povo deposita nas suas lideranças. A democracia não se resume apenas à realização de eleições regulares. Ela exige um constante processo de aperfeiçoamento, de diálogo entre as diversas correntes políticas e sociais, e, acima de tudo, de transparência nas ações do governo.
Uma reforma política que permita uma representação mais equitativa e eficaz, que devolva ao cidadão a sensação de que suas opiniões estão sendo ouvidas e respeitadas, é imprescindível. A governança também precisa passar por uma atualização, em que as promessas de campanha se traduzam em ações concretas, e em que o Estado de Direito seja respeitado em todos os níveis.
Além disso, é necessário fomentar uma cultura de respeito às instituições, que não dependa apenas da mudança de governo, mas de uma compreensão mais profunda do papel que elas desempenham na proteção dos direitos e na promoção do bem-estar coletivo.
O 8 de janeiro nos ensinou que a democracia, por mais sólida que seja, não é imune a ataques internos. Ela é um projeto em constante construção, que exige renovação, vigilância e aprimoramento contínuo. O Brasil precisa de um sistema que, ao mesmo tempo, seja capaz de fortalecer as instituições, dar voz aos cidadãos e manter um compromisso com a justiça e a liberdade.
A defesa incondicional da democracia não pode ser apenas um discurso retórico, mas um compromisso real e permanente com a verdade, a transparência e a equidade. Ao mesmo tempo, é crucial que os brasileiros, de todas as esferas da sociedade, se unam na tarefa de reavaliar, aprimorar e fortalecer o sistema de representação e governança, para que nunca mais episódios como o 8 de janeiro voltem a ocorrer.
O Brasil tem um futuro promissor, mas é um futuro que só será alcançado se conseguirmos transformar os desafios de hoje em um projeto coletivo para uma democracia mais justa, inclusiva e sólida.