Nos tempos atuais, a internet se tornou um tribunal digital, onde cada palavra, gesto ou até piada se torna motivo de julgamento. É bem verdade que não deve ser uma terra sem lei. Mas a pergunta inicial é: quem dá tanta autoridade e lisura à “patrulha do politicamente correto”?
Esse policiamento tem se espalhado pelas redes sociais, dando um ar de vigilância a cada manifestação pública, muitas vezes sem considerar o contexto, a intenção ou, ainda mais importante, o humor genuíno. Esse fenômeno gera uma distorção da liberdade de expressão e transforma a internet em um espaço em que o risco de ser "cancelado" se torna uma ameaça constante para aqueles que ousam fazer piadas que, embora inofensivas para muitos, são rapidamente interpretadas como xenofóbicas, preconceituosas ou ofensivas por um grupo de vigilantes virtuais.
O caso envolvendo o cantor Ramon Costa, da banda Cavaleiros do Forró, é um reflexo claro dessa realidade. Em um momento de descontração, o artista fez uma piada sobre a cidade de Coxixola, no Cariri Paraibano, dizendo que a cidade era uma “cidade ruim do cão” e ironizando a falta de um shopping center no local. O comentário, de um humor peculiar e até mesmo "meme", gerou uma reação inesperada e contundente: o prefeito de Coxixola, Nelsinho Honorato, acusou o cantor de xenofobia, e mais de 100 cidades assinaram uma nota de repúdio contra a atitude do músico.
No entanto, esse tipo de piada tem suas raízes em uma brincadeira viral que circula nas redes sociais, feita pelo jovem @biiel.lanzin. Ele grava diversos vídeos, sempre com um humor irreverente e exagerado ao mencionar a falta de estruturas de cidades pequenas, como aeroportos, shoppings e praias, sempre com o bordão “cidade ruim do cão”. O que começou como uma simples brincadeira entre internautas acabou sendo distorcido e transformado em uma pauta de um tribunal digital, em que se exige que cada risada esteja dentro de uma caixinha de “permitido” e “proibido”. O jovem nunca foi cancelado e seus vídeos recebem centenas de curtidas e milhares de visualizações, além muitos pedidos para gravar sobre determinadas cidades.
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Nelsinho Honorato esqueceu de algo que deveria ser realmente combatido e seria cômico se não fosse “trágico”, que é a grande contradição: ele que se "engasgou" tanto com a piada, parece esquecer o quanto sua cidade está envolta em um cenário muito mais grave do que uma simples provocação humorística. Coxixola, com apenas 1.824 habitantes e o segundo menor PIB da Paraíba, sofre com sérias dificuldades em áreas como educação, infraestrutura, saneamento e pavimentação. No entanto, a cidade tem dinheiro para gastar R$ 100.000,00 em shows de festivais, como o realizado com a própria banda Cavaleiros do Forró, um evento que, em termos financeiros, chega a custar mais do que muitos investimentos necessários para o progresso da cidade.
Isso mesmo, o prefeito que hoje critica contratou em agosto deste ano a banda a R$ 1.666 por minuto, o que equivale a bem mais que um salário mínimo a cada 60 segundos, mesmo Coxixola estando entre as 140 cidades com decreto de emergência por conta da seca.
Neste contexto, a reação exagerada contra uma piada que não passa de um meme cria uma sombra de hipocrisia, em que questões profundas de desigualdade e administração pública são deixadas de lado em favor de uma moral digital questionável. O verdadeiro papel das autoridades deveria ser o de priorizar as melhorias essenciais para a vida dos cidadãos de Coxixola, em vez de perseguir qualquer pessoa por uma piada que, em essência, não reflete preconceito, mas sim um estereótipo que muitas cidades pequenas enfrentam: a falta de opções de lazer e infraestrutura.
A internet, que se tornou um espaço de liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, de censura, está saturada dessa patrulha de quem pode e quem não pode fazer piada. O problema não está em quem faz o comentário, mas em como a sociedade atual se esqueceu de rir de si mesma e de entender que o humor é uma ferramenta de desarmamento das tensões cotidianas, e não um veículo de opressão. A vigilância digital imposta por grupos que se julgam donos da moralidade social transforma a internet em um lugar injusto, em que nem todos têm o direito de se expressar livremente.
As autoridades municipais de Coxixola, ao focarem sua energia na perseguição por uma piada trivial, deixam de lado questões fundamentais e urgentes. Ao invés de se concentrarem na melhoria da qualidade de vida da população, estão, por conveniência política, alimentando um discurso da patrulha digital. As prioridades estão invertidas: o real debate não deveria ser sobre quem pode ou não fazer piada, mas sim sobre como investir de forma eficiente e justa na qualidade de vida de todos os cidadãos, independentemente de onde estejam.
A verdadeira questão é que, ao invés de se tornarem cúmplices dessa patrulha do politicamente correto, deveríamos, como sociedade, focar em criar espaços mais justos para todos, onde o humor, mesmo o ácido e irreverente, possa ser discutido com leveza, e não com a palmatória da censura. A verdadeira injustiça está não na piada feita por Ramon, mas na falta de ação dos que têm poder para transformar a realidade de Coxixola e de muitas outras cidades esquecidas por políticas públicas que realmente importam.
O Política JP deixa aberto o espaço para que os mencionados possam se manifestar sobre os fatos, caso desejem.