A Romaria da Penha, maior evento religioso da Paraíba, é um espetáculo de fé e devoção que reúne quase 500 mil pessoas. Contudo, o brilho desse grandioso ato de religiosidade é ofuscado por uma questão que, em tempos de avanços sociais e exigências éticas, não pode mais ser ignorada: a falta de transparência nos recursos arrecadados e nos custos envolvidos.
Em um cenário onde nenhuma instituição, por mais respeitável que seja, está imune ao crivo social, a Igreja precisa se adequar. Até mesmo a justiça, que serve como régua moral da sociedade, submete-se ao olhar atento do público, justificando cada decisão e ação. Por que, então, a administração da Romaria da Penha, tão grandiosa e envolvente, ainda insiste em operar sob um véu de silêncio financeiro?
Outros exemplos dentro da própria Igreja Católica mostram que a transparência não é apenas possível, mas essencial. A Paróquia Cristo Rei, localizada no bairro de Mangabeira, João Pessoa, recentemente divulgou abertamente os valores arrecadados durante sua festa anual, que ocorre no mesmo período das festividades de Nossa Senhora da Penha. Um detalhamento minucioso das receitas – rifas, vendas de camisas, quermesses, doações, e outros eventos – revelou um total de R$ 113.836,20. É uma soma considerável para uma paróquia de bairro. Se um evento menor consegue atingir esse patamar, o que dizer de uma romaria que movimenta meio milhão de fiéis?
A única vez que um valor relacionado à Romaria da Penha foi tornado público ocorreu há mais de uma década, em 2013, quando um assalto levou o montante de R$ 40 mil, parte das doações. O episódio, que envolveu a participação de um funcionário do padre no planejamento do crime, foi um triste lembrete dos riscos da falta de controles e transparência.
O contraste entre a festa de Mangabeira e a Romaria da Penha não para aí. Enquanto eventos menores são sustentados majoritariamente pelo esforço das comunidades paroquiais, a Romaria da Penha recebe apoio massivo dos governos municipal, estadual e federal. A Prefeitura de João Pessoa, por exemplo, oferece uma estrutura robusta que inclui serviços de urgência e emergência, limpeza, agentes de trânsito, banheiros químicos, ônibus extras e até uma unidade de saúde na Praia da Penha. O Governo do Estado mobiliza viaturas, policiais, bombeiros, helicópteros e central de monitoramento. A Polícia Rodoviária Federal também se faz presente. Todos esses serviços geram custos significativos, pagos pelos cofres públicos, sem que haja uma contrapartida visível ou detalhada por parte da Igreja.
Ademais, é notório que parte dos custos relacionados à operação da Romaria – como os trios elétricos – é custeada por rifas, doações de políticos e parcerias empresariais, deixando a impressão de que a participação financeira da Igreja na execução do evento é limitada. Isso é ainda mais preocupante quando lembramos de escândalos graves, como o do Hospital Padre Zé, onde se investiga o desvio de até R$ 140 milhões.
A fé é um pilar essencial da sociedade, mas ela não deve ser usada como escudo para evitar a contabilidade. Transparência não é um luxo; é uma obrigação, especialmente em tempos onde a confiança nas instituições está em baixa. É imprescindível que a Igreja forneça um detalhamento público dos valores arrecadados e das despesas da Romaria da Penha. Assim como outras paróquias o fazem, o maior evento religioso da Paraíba também deve prestar contas.
A devoção dos fiéis e o apoio dos governos são uma demonstração inequívoca da força e importância da Romaria da Penha. Contudo, essa grandiosidade exige responsabilidade. O silêncio em torno das finanças do evento não combina com os valores que ele representa. Fé e transparência devem caminhar juntas. Afinal, como bem diz a Escritura: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” – e aos fiéis, a verdade.
O Política JP deixa aberto o espaço para que os mencionados possam se manifestar sobre os fatos, caso desejem.