O vento era o primeiro a nos receber ao chegar ao Píer de Tambaú. Não importava a estação do ano, ele estava sempre lá, soprando do mar, com sua brisa salgada que misturava o cheiro de peixe fresco, sargassum, o aroma do algodão doce e do rolete de cana-de-açúcar. Eu fechava os olhos e sentia tudo ao meu redor, como se o vento me convidasse a mergulhar em um tempo que, mesmo criança, eu sabia que não duraria para sempre.
O Píer, que mais parecia uma ponte a caminho do horizonte, tinha o poder de encurtar distâncias e dilatar o tempo. Construído em 1994, sua estrutura simples foi feita para abrigar pequenas embarcações, mas acabou se tornando um dos pontos turísticos de João Pessoa, como se, aos poucos, o mar tivesse se apropriado do espaço e passado a acolher turistas e pessoenses de igual forma.
Eu, como garoto, adorava aquele espaço desgastado pela força da natureza. Para muitos, era apenas um lugar para ver o mar e descansar, mas para nós, crianças travessas, o píer era uma diversão garantida. A cada dia, os que não tinham a supervisão dos pais inventavam um novo jogo. Pulavam de diferentes ângulos, tentando fazer saltos ornamentais improvisados, e, na volta, se cortavam tentando se segurar nas vigas, ásperas e repletas de mariscos. Era uma alegria de graça, 0800, como diziam os aposentados que ficavam por ali observando.
Enquanto isso, os pescadores estavam lá, à sua maneira, quase invisíveis para a maioria. Alguns mais próximos, tentando "dar uma linhada", com seus fios finos lançados ao mar, enquanto outros, mais distantes, puxavam redes pesadas, tentando arrancar do mar o sustento da semana. O som das ondas batendo na estrutura e os risos dos mais jovens se misturavam em um cenário que era, para mim, o coração de João Pessoa.
Os que podiam, iam tomar sorvete na Friberg, com aquele toque sofisticado da cidade que começava a se transformar. Já nós, outros, nos contentávamos com o algodão doce que ficava grudento nas mãos, a pipoca ou com a raspadinha, que se derretia rápido sob o calor do sol. O rolete de cana era outro prazer simples, um pedaço doce para completar o quadro. Havia algo de mágico naquele lugar. O píer parecia nos transportar para um tempo fora do alcance dos problemas cotidianos, onde o presente era só aquele vento e o som do mar.
Mas o que realmente tocava meu coração era minha mãe. Ali, com ela, o píer não era só uma estrutura improvisada; era um caminho, uma trilha onde podíamos, por alguns momentos, esquecer a imensidão do mar de problemas que nos cercava. O vento, o som das ondas, pareciam levar, como que para longe, a sombra da doença que consumia sua força. Ela, que enfrentava um câncer feroz com a bravura de quem sabia que o tempo é um presente efêmero, encontrava ali, no simples ato de caminhar ao lado de meu pai e dos meus irmãos, um respiro.
Ali, sobre o píer, o peso do futuro parecia se dissipar na vastidão do mar, que se estendia diante de nós. O horizonte parecia mais suave, mais acolhedor. Minha mãe se deixava tocar pela paz daquele momento e, mesmo sabendo que o fim estava se aproximando, ela sorria, se permitindo viver um pouco mais, mesmo que fosse por um instante. O mar, com sua imensidão desconhecida, simbolizava os medos que nos assolavam, mas o píer, esse caminho desgastado, era onde ainda podíamos caminhar juntos, lado a lado, sem pressa, sem medo. E ali, no vazio do futuro que se aproximava, encontrávamos um pouco de alívio na simplicidade daquele dia. E mesmo quando pensava que o futuro já estava escrito, ela sabia se alegrar com os momentos simples, com a vida que ainda pulsava ali.
Tinha muita coisa engraçada.
Eu me lembro das barracas do Pau Mole e do Pau Duro, locais que eram refúgios dos boêmios, como pontos de fuga de uma realidade que se tornava cada vez mais difícil de encarar. À medida que caminhávamos para o píer, passávamos em frente a esses bares, com suas placas coloridas que, naquele tempo, eu tentava entender. Lembro que estava começando a aprender a ler e lia tudo o que via à frente. Minha mãe apressava o passo, mas havia sempre algo que me chamava a atenção, como a logomarca, que tinha um velhinho de roupa azul, com a bengala envergada. Algo que eu só entenderia mais tarde.
O Píer de Tambaú, que na minha cabeça de criança tinha mais de 800 metros de mar adentro, foi uma estrutura efêmera. Em 2007, os primeiros vãos desabaram com a força das ondas. Vi minha cidade mudar ao longo dos anos e, com ela, o píer, que se tornara o reflexo de uma época que se esvaía. Em 2009, o governo decidiu demolir o restante da estrutura, e o que restou foi um vazio, como o mar depois da ressaca.
Hoje, o píer não está mais lá, os bares também não. Até o hotel que era símbolo do luxo está abandonado. Mas as memórias permanecem vivas, como as ondas que batem nas pedras. João Pessoa de então era outra, e minha visão do mundo também. Para o menino que eu era, aquele píer tinha uma extensão quase quilométrica e o mar não tinha fundo. Mas o que ficou, no fundo, foi a certeza de que os momentos simples, como aqueles, são os que realmente marcam nossa vida. E minha mãe, que não está mais aqui, se tornou estrada. Ela virou um píer indestrutível, infalível, um caminho a ser seguido. O amor que ela me deu é um mar, e nele encontro com segurança a profundidade desse mergulho chamado vida.
Neto Fernandes
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