As eleições para a presidência da Câmara e do Senado estão programadas para fevereiro de 2025, mas a julgar pelo arco de alianças que os principais candidatos das duas Casas construíram até aqui, a fatura está liquidada.
O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP) conseguiram atrair o apoio de partidos de alas ideológicas opostas, como PT e PL, e já somam votos suficientes para vencer a disputa.
Especialistas e parlamentares ouvidos pelo g1 não enxergam elementos que possam concretizar uma surpresa nas urnas, apesar de Câmara e Senado já terem elegido “azarões” para as respectivas presidências.
Ainda não é possível precisar a quantidade de votos que cada um terá. O apoio de um partido não significa que todos os parlamentares seguirão a orientação, mas o anúncio formal de suporte das legendas sinaliza para um cenário tranquilo para ambos.
Motta já recebeu o apoio de PP, Republicanos, PL, PT, PCdoB, PV, PRD, Rede, Solidariedade, Cidadania, PSDB, PSB, PDT, MDB e Podemos. Juntas, as siglas somam 385 parlamentares. Para ser eleito presidente da Câmara em primeiro turno, Motta precisa de 257 votos.
Já Alcolumbre recebeu apoio de PT, PL, União Brasil, PP, PSB, Republicanos e PDT, que somam 48 senadores. Para ser eleito presidente do Senado, são necessários, no mínimo, 41 votos.
Histórico favorece alianças
O histórico das eleições para as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado mostra que, embora haja disputa entre candidatos competitivos, ela fica restrita a dois grandes blocos de apoio, o que não favorece postulações avulsas ou isoladas.
Em 2019, Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi eleito com 334 votos.
Ele costurou um arco apoio com 15 partidos, incluindo o PSL do então presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e teve apoio, inclusive, de legendas de esquerda, como PCdoB e PDT.
Em 2021, Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira (PP-AL) foram os principais candidatos da eleição.
O primeiro foi apoiado por MDB, PT, PSDB, PSB, PDT, Cidadania, PCdoB, PV,REDE e Solidariedade e somou 145 votos.
O segundo, vencedor do pleito, teve 302 votos e formou um bloco de 11 partidos (PSL, PP, PSD, PL, Republicanos, Podemos, PTB, Patriota, PSC, Pros e Avante).
As demais candidaturas, avulsas ou isoladas -como do Novo e do PSOL — somaram 56 votos.
Fábio Ramalho (MDB-MG), com 21 votos; Luiza Erundina (Psol-SP), com 16 votos; Marcel van Hattem (Novo-RS), com 13 votos; André Janones (Avante-MG), com 3 votos; Kim Kataguiri (DEM-SP), com 2 votos; e General Peternelli (PSL-SP), com 1 voto.
Em 2023, Lira foi reeleito com uma margem ainda maior de votos.
Ele concorreu contra postulantes “virtuais”, que sem conseguirem formar blocos de apoio, favoreceram a votação histórica recebida pelo alagoano: 464 votos dos 509 registrados.
Chico Alencar (Psol-RJ), lançado pela Federação Psol-Rede, teve 21 votos e o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) obteve 19 votos. Houve 5 votos em branco.
Na oportunidade, Lira reuniu o apoio de PL e PT, cenário parecido com o que se desenha neste ano, além de União Brasil, PP, MDB, PSD, Republicanos, Federação PSDB-Cidadania, Podemos, PSC, PDT, PSB, Avante, Solidariedade, Pros, Patriota e PTB.
No Senado, o comando da Casa foi dominado por anos por um único partido: o MDB — antigo PMDB. A sigla venceu 17 eleições, desde a redemocratização do Brasil, em 1985. Ao todo, foram 30 anos de gestões emedebistas.
A “tradição” do MDB na Presidência tinha um motivo simples: por anos, o partido se manteve como a maior bancada da Casa. Parlamentares afirmam que, em razão disso, o entendimento era de que a legenda tinha o direito a comandar o Senado.
No período em que o MDB dominou as gestões, houve somente uma exceção. Em 1997, o então senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) foi eleito contra Iris Rezende (MDB-GO).
Naquele ano, o PFL somava 23 parlamentares, ante 22 do MDB — uma das poucas ocasiões, no período, em que o partido não estava no topo das bancadas partidárias.
ACM se reelegeu dois anos depois, com apoio do MDB. Na sequência, os emedebistas reconquistaram o comando da Casa e se mantiveram até 2019.
A eleição de 2019 marca o início de um jejum do MDB na Presidência do Senado. Davi Alcolumbre (à época no DEM; hoje no União Brasil-AP) se elegeu naquele ano em um pleito conturbado, que resultou na desistência de Renan Calheiros (MDB-AL), que tentava retornar à cadeira de presidente pela quinta vez.
Em 2021, Rodrigo Pacheco (então filiado ao DEM; hoje no PSD-MG), aliado de Alcolumbre, se elegeu também contra um candidato do MDB, a então senadora Simone Tebet (MS).
Em 2023, Pacheco foi reeleito — desta vez, com o endosso dos emedebistas.
Em 2005, a Câmara elegeu o deputado Severino Cavalcanti (PP) para a presidência, em uma disputa marcada por dissidências dentro do PT.
Severino era candidato independente e venceu o postulante do governo, Luiz Eduardo Greenhalgh. Na oportunidade, o PT teve um outro candidato, Virgílio Guimarães (PT-MG), que se recusou a sair da disputa e acabou contribuindo para a derrota do postulante governista.
Deputados ouvidos pelo g1 e que participaram daquela votação afirmaram que a situação daquele ano era bem diferente da de agora.
O deputado Giacobo (PL-PR), na época no PR, lembra que Greenhalgh tinha muita rejeição entre os pares.
“São quadros bem diferentes. O Severino foi um voto de protesto do baixo clero, de muitos deputados que estavam sendo deixados de lado. Esse pessoal estava revoltado e viram na figura do Severino uma maneira de protestar”.
O deputado disse não acreditar que Motta sofra com traições e afirmou que os ingredientes que levaram à ascensão de Cavalcanti não estão presentes agora.
O deputado José Rocha (União-BA) criticou a gestão Lira e disse que a situação do baixo clero atualmente é pior do que a de 2005. Apesar disso, disse não existir a possibilidade de Motta ser derrotado.
“Hoje o presidente tem o colégio de líderes na mão deles, reúne o colégio, decide tudo e o baixo claro não sabe de nada, nem a pauta do dia. Hoje tem a pauta da noite, você não tem tempo para mais nada e vota conforme foi decidido pelo colégio. Eu tenho dito que passamos a ser uma boiada tocada por um vaqueiro, o presidente da Câmara”, afirmou. “Apesar disso, a eleição do Motta está concretizada, não tem ameaça nenhuma”.
As traições também marcaram eleições fora da curva no Senado. Em 1997, Iris Rezende (MDB-GO) dava como certa a vitória, contando mais do que os votos necessários para ser eleito.
Em um movimento orquestrado pela articulação do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o PFL lançou como candidato Antônio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia. Ele foi eleito com 52 votos contra 28 de Iris Rezende.
À época, em entrevistas, ACM atribuiu o placar a dissidências dentro do MDB de Iris e de partidos da oposição a FHC.
Vinte e dois anos depois, em 2019, a Casa registrou o seu pleito mais conturbado, imerso em controvérsias regimentais e bate-bocas.
Davi Alcolumbre, então parlamentar sem expressão no Congresso, foi eleito com 42 votos — um acima do necessário —, em uma disputa na qual Renan Calheiros, posto como então favorito, desistiu.
Alvo de investigações, como a Lava Jato, Renan enfrentava um desgaste público e tentava retornar ao comando da Casa pela quinta vez.
Ele se cacifou ao pleito depois de uma disputa interna com Simone Tebet e articulou apoios contando que os votos seriam secretos — o que, na avaliação de senadores, reduziria uma eventual pressão pública desfavorável ao emedebista.
A rejeição a Renan Calheiros levou a uma tentativa de senadores de fazer com que a votação fosse aberta. A medida foi aprovada em plenário, mas acabou anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O movimento favoreceu Davi Alcolumbre, que tinha apoio de membros do então recém-empossado governo Jair Bolsonaro (PL). Em uma segunda votação — depois de um primeiro pleito anulado, porque havia na urna 82 votos de 81 senadores —, Renan decidiu desistir.
Nesta segunda tentativa, mesmo com a manutenção do voto secreto, senadores decidiram anunciar publicamente seus posicionamentos. Renan Calheiros disse que as decisões retiraram votos esperados por ele, como os de senadores do PSDB.
Fortalecido, em 2021, Alcolumbre fez o seu sucessor, Rodrigo Pacheco, também num processo que contou com rachas de bancadas e traições contra Simone Tebet.
Especialistas ouvidos pelo g1 também não acreditam em reviravolta nas eleições de fevereiro de 2025.
O cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV) Cláudio Couto, diz não ver elementos que ameacem a eleição de Motta para a Câmara após os acordos fechados com os partidos.
“Você não tinha algo parecido como tem agora, que é um grande acordo em torno de um nome. O que está acontecendo agora é bem parecido com o que aconteceu com o Lira na sua candidatura à reeleição”, afirmou. “É pouco provável [uma reviravolta]. Não vejo elementos para que isso aconteça”.
Em relação ao Senado, Couto diz que a coalizão agora formada em torno de Alcolumbre mostra uma caminho tranquilo para eleição do senador.
“Acho que o Alcolumbre virou uma figura muito forte e agora caminha tranquilamente para ser eleito sem a menor dificuldade, sem risco de perder”.
Murilo Medeiros, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o perfil moderado de Alcolumbre e Motta favorece a estabilidade de ambas as candidaturas.
“É muito remota [a chance de reviravolta], porque tanto o perfil do Hugo Motta quanto do Davi Alcolumbre são políticos que transitam bem, tanto com governo, como com a oposição. São políticos moderados, que dialogam bem com o centro e conseguem manter pontes com diferentes polos políticos. A probabilidade de ter uma reviravolta é muito remota”.
Além disso, o acordo “estratégico”, que mantém as legendas de pólos opostos em cargos chave da Mesa Diretora, dificulta uma reviravolta, como a observada em 2005 na Câmara.
“Houve uma convergência dos diferentes polos políticos, unindo oposição e governo e partidos de centro, todos convergindo para o Hugo Motta, e o mesmo procedimento no Senado, para o Davi Alcolumbre. Houve uma convergência estratégica para que nenhuma legenda fique de fora do poder decisório da próxima Mesa Diretora”.