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OPINIÃO EDITORIAL

OPINIÃO | Enem: Avaliação justa ou retrato das desigualdades do Brasil?

O exame acaba sendo um teste de resistência emocional.

04/11/2024 06h10 Atualizada há 5 meses
Por: Redação
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi idealizado para democratizar o acesso ao ensino superior, oferecendo uma porta de entrada única para milhões de estudantes em todo o Brasil. Mas, após mais de duas décadas, é importante questionar se esse exame realmente cumpre a função de avaliar de maneira justa e abrangente o conhecimento de cada candidato, independentemente de sua trajetória escolar, ou se, no fim, ele captura apenas uma performance momentânea, marcada por pressões emocionais e desigualdades socioeconômicas e regionais.

A realidade é que o Enem, com seu alto número de questões de áreas tão diferentes, além de uma redação exigente, acaba sendo um teste de resistência emocional. A ansiedade, o estresse e a exaustão são sentimentos comuns entre os jovens que se deparam com essa maratona. No entanto, enquanto para alguns o suporte emocional e pedagógico faz parte de sua preparação, outros enfrentam essa prova com pouca orientação e sem as mesmas oportunidades de revisão e apoio psicológico. O resultado? O desempenho no Enem não reflete apenas o conhecimento acadêmico, mas também o nível de preparo emocional e o acesso a recursos.

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Além disso, a disparidade entre as escolas públicas e privadas no Brasil continua sendo um obstáculo importante. Em escolas particulares, especialmente as de alto padrão, é comum o acesso a bons livros, renomados autores e até mesmo ao aprendizado de línguas estrangeiras, elementos que enriquecem o pensamento crítico e a compreensão de mundo dos estudantes. Nas escolas públicas, essa realidade é, muitas vezes distante. Com recursos limitados, professores sobrecarregados e a falta de materiais de qualidade, é natural que alunos das redes públicas encontrem mais dificuldades em uma prova que exige competências acumuladas ao longo de anos. O Enem, portanto, não nivela os estudantes — ele acentua desigualdades preexistentes.

As diferenças regionais também são um fator determinante. Em áreas mais afastadas dos grandes centros, a infraestrutura educacional muitas vezes é precária, com escolas carentes de materiais básicos, laboratórios e bibliotecas. As aulas de reforço e as oportunidades de imersão cultural, comuns em centros urbanos, estão fora do alcance de muitos alunos do interior, onde a competitividade educacional é influenciada pela falta de investimento público e pela escassez de recursos. Como resultado, o Enem acaba favorecendo candidatos de centros urbanos e de camadas sociais mais favorecidas, que puderam usufruir de uma formação mais rica e abrangente.

O acesso à educação no Brasil enfrenta desafios que se refletem até mesmo na aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio. Na Paraíba, a logística da prova ilustra bem essa dificuldade: o exame foi aplicado em pouco mais de 50 cidades, deixando centenas de estudantes em locais distantes e com custos de deslocamento para chegar aos pontos de prova. Em um estado com 223 municípios, essa limitação evidencia como o acesso à educação de qualidade e à oportunidade de avaliação para o ensino superior é restringido, especialmente para quem vive em áreas afastadas dos centros urbanos. Sem contar que, no estado, mais de 128 mil pessoas fizeram as provas. Desse total, apenas 39 mil são estudantes da Rede Estadual de Ensino.

A competitividade educacional também acirra as desigualdades. A preparação para o Enem se tornou um mercado, e os cursinhos, especialmente os de alto custo, intensificam a disparidade entre alunos que podem pagar por uma preparação especializada e aqueles que dependem de um ensino público saturado e insuficiente. Essa corrida desigual distorce o verdadeiro propósito do exame, afastando-o de sua ideia original de democratização e igualdade.

Diante disso, surge a questão: será que esse formato de avaliação que reúne exatas e humanas em uma única prova é, de fato, o mais eficiente? Em um mundo cada vez mais segmentado, onde o conhecimento especializado é cada vez mais valorizado, o modelo do Enem, que demanda uma performance homogênea em todas as áreas do saber, parece desalinhado. Por que alunos vocacionados para carreiras técnicas precisam demonstrar profundo domínio em ciências humanas, e vice-versa?

Repensar o Enem e o acesso ao ensino superior exige coragem para enfrentar esses desafios estruturais. Poderíamos considerar a introdução de testes vocacionais, que ajudariam os jovens a identificarem cedo suas habilidades e a seguirem uma trajetória alinhada às suas vocações. Com o suporte das tecnologias digitais e uma nova abordagem, o sistema educacional poderia se tornar mais inclusivo e flexível, focado no desenvolvimento de cada indivíduo em suas particularidades, e não em um padrão impossível de alcançar para muitos.

Enfrentar a realidade brasileira, com suas diferenças sociais e regionais, é essencial para qualquer modelo de avaliação justo. É hora de reavaliar o Enem para garantir que a prova seja realmente uma oportunidade de acesso, e não mais um reflexo das barreiras que tantos brasileiros já enfrentam. Afinal, a educação pública de qualidade é um direito, e o acesso justo à universidade é a base de um país mais equitativo e promissor.

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Montgomery José de Vasconcelos Há 5 meses João Pessoa-PB Eis a prova cabal de que o país fez opção pela corrupção ao invés da educação, posto que os jovens nem mais vêem sentido em se qualificar no 3º grau ingressando no ensino superior por meio de cursos nas universidades. Daí que seguindo aos dados estatísticos do INEP, órgão complementar do MEC, em 2018, só 8 milhões obtinham acesso às universidades num universo de 330 milhões. Nem precisa desenhar que o país é analfabeto e descumpre ao Art. 204 da CF/88: Erradicação do Analfabetismo no Brasil...
Montgomery José de Vasconcelos Há 5 meses João Pessoa-PB O pressuposto virtuoso do portal politicajp, assinado pelo também jornalista virtuoso Neto Fernandes, Opinião Enem: Avaliação justa ou retrato das desigualdades do Brasil? nem é mais um choque para o povo brasileiro de que o país fez sua opção pela corrupção e não pela educação. Pra tanto, nem precisou se aprofundar na complexidade dos dados estatísticos do próprio Inep, órgão do MEC, que em 2018 traz à estatística da educação trágica: 8 milhões chegam à universidade dos 330 milhões do país.
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