A recente comemoração nas redes sociais pela soltura de Deolane Bezerra, investigada no âmbito da Operação Integration, levanta uma reflexão sobre a crescente influência das celebridades e o papel que elas desempenham no imaginário popular. Investigada por suposto envolvimento em esquemas de lavagem de dinheiro e jogos ilegais, Deolane foi novamente liberada, e, assim como na primeira vez, a reação de boa parte dos internautas foi de celebração. Essa resposta, de solidariedade e defesa pública da influenciadora, é emblemática de um fenômeno mais amplo: a fusão entre idolatria digital e a erosão do senso crítico.
Paralelamente, a Operação Integration também mira Gusttavo Lima, outro ícone de grande popularidade, investigado pelas mesmas acusações. Assim como Deolane, o cantor sertanejo também tem sido defendido fervorosamente nas redes sociais, com seguidores não só absolvendo-o de qualquer culpa, mas criticando o trabalho das autoridades que conduzem as investigações. Esse tipo de reação, onde celebridades são blindadas por suas bases de fãs, revela um preocupante deslocamento da responsabilidade e da justiça em nome de uma cultura de proteção e idolatria exacerbada.
Há um claro conflito de narrativas. Enquanto as autoridades buscam esclarecer a profundidade e a veracidade das acusações, muitos internautas enxergam essas investigações como uma injustiça, quase como se os ídolos populares estivessem sendo perseguidos por sua fama e sucesso. A fronteira entre a admiração por figuras públicas e a rejeição de qualquer acusação contra elas se tornou tênue. Para muitos, a fama confere uma espécie de invulnerabilidade moral, onde crimes e erros são facilmente desconsiderados, substituídos por uma lealdade cega e um desejo de defender seus "heróis" a qualquer custo.
Esse fenômeno, que não é novo, parece se intensificar em tempos de redes sociais, onde a proximidade entre celebridades e seus fãs é ilusoriamente direta. Gusttavo Lima e Deolane Bezerra, através de suas vastas plataformas digitais, não são apenas artistas ou influenciadores – são símbolos, pessoas com as quais muitos se identificam ou projetam aspirações. Isso faz com que qualquer ameaça à sua imagem seja vista como um ataque pessoal aos fãs, que prontamente se organizam em verdadeiras campanhas de defesa.
No entanto, é preciso questionar até que ponto essa defesa incondicional contribui para a deterioração do senso de justiça e responsabilidade social. Se figuras públicas podem escapar de uma crítica honesta e da responsabilização por atos ilícitos apenas por causa de sua popularidade, o que isso diz sobre os valores que estamos cultivando enquanto sociedade? A celebração da fama não pode, nem deve, substituir a investigação minuciosa e o cumprimento da lei.
O cenário é preocupante, pois sugere que, para muitos, a reputação digital vale mais do que a verdade ou a justiça. Celebrar a soltura de Deolane Bezerra ou defender cegamente Gusttavo Lima, sem considerar as graves acusações contra eles, revela uma cultura que trata a justiça como um espetáculo e os famosos como intocáveis.
No fim das contas, o que está em jogo não é apenas a imagem de um ou outro artista, mas a confiança da sociedade nas instituições e no sistema de justiça. O culto às celebridades, quando se sobrepõe ao discernimento e à crítica, mina essa confiança e fortalece a ideia de que o prestígio, mais do que a integridade, é o que realmente importa.
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