Em abril de 2024, o estado do Rio Grande do Sul foi devastado por uma tragédia climática sem precedentes, com chuvas torrenciais e enchentes que ceifaram dezenas de vidas e deixaram milhares de desabrigados. Por dias, as imagens chocantes de destruição dominaram os noticiários e as redes sociais. No entanto, poucas semanas depois, o assunto começou a desaparecer do debate público, suplantado por novos acontecimentos, como operações policiais, escândalos políticos e até mesmo piadas e memes que transformam tragédias em pautas fugazes de humor. Esse padrão se repete em inúmeras situações que começam sendo tratadas como centrais e rapidamente esquecidas quando surgem novos fatos.
A realidade é dura: nossa sociedade parece sofrer de uma memória curta, agravada pela voracidade das redes sociais e pela banalização da tragédia em forma de humor. Situações que deveriam provocar revolta e mudanças acabam sendo substituídas por memes e piadas vazias, que minimizam o impacto dos eventos. As tragédias perdem espaço para o entretenimento momentâneo, e aquilo que deveria ser um chamado à ação se transforma, muitas vezes, em mais uma imagem a ser rolada sem reflexão.
As redes sociais, com sua lógica de viralização, desempenham um papel importante nesse processo. Elas têm a capacidade de amplificar e dar visibilidade a questões importantes, mas, ao mesmo tempo, tendem a priorizar o efêmero. Assim, o que deveria ser motivo de indignação ou solidariedade muitas vezes se perde no meio da profusão de conteúdos que surgem a cada minuto. O meme, que nasce como forma de ironizar e lidar com o absurdo, muitas vezes desvia a atenção e trivializa aquilo que deveria ser levado a sério.
No caso da tragédia no Rio Grande do Sul, por exemplo, o tema já começa a sumir das manchetes, substituído por crises políticas e outros eventos recentes. Mas, enquanto seguimos em frente com nossos novos assuntos, as famílias que perderam tudo ainda enfrentam o luto e a reconstrução de suas vidas. As vítimas da corrupção, do crime organizado ou das tragédias ambientais não têm o privilégio de simplesmente esquecer e seguir em frente. Elas vivem as consequências dessas situações todos os dias, mesmo quando o restante da sociedade já voltou sua atenção para o próximo assunto "viral".
O humor tem seu lugar e sua importância, claro. Em muitos momentos, ele é uma forma saudável de lidar com as tensões da vida. Mas é preciso atenção para não usá-lo como desculpa para a apatia ou o esquecimento. Há uma linha tênue entre fazer graça de uma situação e transformar algo sério em banalidade. Quando as risadas são acompanhadas do esquecimento ou da falta de ação, o riso deixa de ser libertador e se torna uma ferramenta de alienação.
Precisamos, como sociedade, resgatar nossa capacidade de memória e de ação. Não podemos nos deixar levar pelo ciclo incessante de novos fatos e novas piadas que nos fazem esquecer do que realmente importa. Afinal, desastres naturais, escândalos políticos e operações policiais impactam diretamente a vida de milhares de pessoas, e é nosso dever, como cidadãos, não deixar que essas histórias desapareçam com o tempo. O compromisso com a verdade e com a justiça é algo que deve resistir às modas passageiras das redes sociais.
Não é uma questão de ser contra o humor ou os memes, mas de entender que alguns eventos, por sua gravidade, merecem mais do que risadas momentâneas. Merecem nossa atenção, nossa empatia e, acima de tudo, nossa memória.