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OPINIÃO EDITORIAL

OPINIÃO | O Fenômeno do protecionismo às celebridades no Brasil em tempos de tribunal digital

A fama não deveria ser um escudo contra a responsabilidade.

13/09/2024 18h20
Por: Redação
Foto: reprodução
Foto: reprodução

No Brasil, há um fenômeno peculiar que se repete com desconcertante frequência: a defesa ferrenha de figuras públicas, especialmente celebridades, mesmo quando envolvidas em escândalos ou crimes. Esse comportamento se torna ainda mais gritante quando comparado à rapidez com que anônimos são julgados e condenados, tanto nas redes sociais quanto nas conversas cotidianas. Por que protegemos tanto aqueles que já possuem o poder e a visibilidade? E por que a mesma empatia não se estende aos desconhecidos?

Vivemos em uma era de tribunal digital, onde a opinião pública é moldada por narrativas construídas em poucos caracteres ou por manchetes sensacionalistas. Quando o réu é uma figura famosa, o julgamento parece se atenuar. Casos recentes de atores, músicos ou influenciadores digitais flagrados em situações moralmente ou legalmente questionáveis rapidamente são relativizados por seus fãs e até por segmentos da mídia. Frases como "todos erram" ou "não podemos julgar" surgem quase automaticamente, criando uma cortina de defesa para pessoas que, em muitos casos, têm condições de arcar com as consequências de seus atos.

Por outro lado, quando o protagonista da polêmica é um desconhecido, a reação é brutalmente diferente. Pessoas comuns envolvidas em situações semelhantes são prontamente julgadas e atacadas. No tribunal das redes, não há espaço para nuances: o veredicto é implacável, muitas vezes sem que os fatos sejam confirmados. É como se o anonimato desumanizasse essas pessoas, tornando-as alvos fáceis de uma sociedade ansiosa por culpados.

Esse contraste pode ser explicado, em parte, pela identificação e pelo sentimento de idolatria que muitos brasileiros nutrem por suas celebridades. A fama, no Brasil, confere a seus detentores um status quase mitológico. Muitas pessoas, diante da oportunidade de criticar ou punir uma celebridade, acabam hesitando, pois não querem destruir a imagem que construíram de seu ídolo. Por outro lado, anônimos não inspiram essa identificação: não há laços emocionais com eles, o que torna mais fácil atacá-los sem remorso.

Há, também, um componente de desigualdade social nesse fenômeno. Famosos, em sua maioria, são pessoas de poder aquisitivo elevado, enquanto o anônimo pode ser qualquer um de nós, representando, talvez, o temor inconsciente de que o julgamento severo que impomos a outros caia sobre nós. Dessa forma, o brasileiro parece usar as celebridades como uma válvula de escape emocional, protegendo-as como se, ao fazê-lo, também estivesse protegendo suas próprias fragilidades.

Mas essa proteção irrestrita não contribui para a justiça. Acobertar erros de figuras públicas, relativizando comportamentos que seriam prontamente condenados em anônimos, reforça a ideia de que há dois pesos e duas medidas na sociedade. A fama não deveria ser um escudo contra a responsabilidade.

A cultura do protecionismo às celebridades é sintoma de uma sociedade que se exime de olhar com seriedade para os próprios valores e para a justiça. Quando deixamos que a fama ou o carisma se sobreponham à ética, criamos um ambiente permissivo e perigoso. É hora de refletir sobre o porquê de reservamos indulgência para alguns e severidade para outros. Justiça, afinal, não deveria ser um privilégio exclusivo dos anônimos.

 
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